Os Fatores de Ligação como Vetores de Racionalidade na Fixação da Competência Territorial

Os Fatores de Ligação como Vetores de Racionalidade na Fixação da Competência Territorial

Por Jorge Henrique Pinotti Brião

A competência territorial, disciplinada no Código de Processo Civil (CPC), apresenta um papel central na organização judiciária e na adequada prestação jurisdicional. Em especial, o artigo 53, inciso V, do CPC, ao tratar das hipóteses de competência territorial relativas a ações de reparação de danos decorrentes de atos ilícitos, estabelece critérios que buscam vincular o juízo competente aos fatos que originaram a lide. Tal vinculação, ancorada nos denominados fatores de ligação, visa assegurar uma correlação lógica e racional entre o foro eleito e os elementos caracterizadores da demanda.

Os fatores de ligação são elementos objetivos que permitem ao legislador definir o juízo territorialmente competente com base em critérios que consideram a conexão entre o local do litígio e a jurisdição a ser acionada. Nesse contexto, o artigo 53, V, do CPC, ao prever como foros competentes o domicílio do autor ou o local em que o ato ilícito foi perpetrado, expressa uma opção legislativa pela facilitação do acesso à justiça, sem, contudo, sacrificar os princípios da previsibilidade e da racionalidade na distribuição de competências.

A importância dos fatores de ligação, contudo, vai além de uma simples questão técnica de organização judiciária. Eles traduzem uma lógica sistêmica que busca equilibrar o direito de ação com a necessidade de proteção do princípio do juiz natural. Ao determinar critérios objetivos para a definição da competência territorial, o legislador evita escolhas aleatórias ou motivadas por conveniência processual, preservando, assim, a segurança jurídica e a imparcialidade da jurisdição.

Dinamarco, em sua obra sobre a teoria geral do processo, esclarece que os fatores de ligação são, na verdade, expressões de uma adequação funcional entre o foro e o objeto da causa. Para o autor, “as disposições da lei sobre competência territorial fazem com que as ligações de fato entre a causa e o foro se convertam em motivos de ligação entre ela e os órgãos judiciários ali instalados”.[1]

Essa conexão se revela especialmente relevante nas hipóteses em que os atos ilícitos transcendem a dimensão territorial única, a exemplo de atos ilícitos perpetrados amplamente pela internet.

Embora nesses casos, em tese, poder-se-ia extensivamente interpretar o referido diploma legal para justificar a competência de qualquer foro do país, esta escolha não deve ser irrestrita. A opção pelo domicílio do autor ou pelo local do ato ilícito deve ser justificada com base na efetiva vinculação da lide a esses foros, e não meramente em razões de conveniência ou estratégia processual.

Em conclusão, a escolha arbitrária de foro, desvinculada dos elementos objetivos da lide, não apenas gera o abarrotamento artificial de tribunais, mas também facilita práticas abusivas, como o ‘’forum shopping’’, que favorecem interesses particulares em detrimento do princípio do juiz natural. Além disso, a utilização do foro como ferramenta para dificultar a defesa da parte contrária, seja por imposições logísticas ou econômicas, afronta diretamente os princípios do contraditório e da ampla defesa. Não obstante, a busca por vantagens com base em critérios como custas processuais compromete a racionalidade do sistema e desvirtua a finalidade das normas de competência. Assim, a aplicação rigorosa dos fatores de ligação não apenas organiza a jurisdição, mas também preserva a imparcialidade, a previsibilidade e a justiça no processo, sendo indispensável à funcionalidade e à credibilidade do Poder Judiciário.

[1] DINAMARCO, Cândido R. Instituições de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. v. (p. 511-512).

 

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