ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO CIVIL E AS DISPOSIÇÕES ACERCA DOS CONTRATOS DE HOSPEDAGEM ATÍPICOS

Há tempos, os tribunais brasileiros têm recebido demandas sobre a possibilidade de locação de curta duração por meio de plataformas como o “Airbnb” em condomínios edilícios, resultando em discussões importantes sobre o uso e gozo da propriedade e a busca por uma conciliação harmoniosa com a ambiência condominial.

Muito embora direito e economia consistam em técnicas sociais que visam sistematizar regras distintas relacionadas ao comportamento humano[1], existem repercussões recíprocas entre esses ramos que não podem, tampouco deveriam, ser ignoradas pelos juristas.

Esse tangenciamento entre as ciências foi enfrentado pelo Judiciário em diversas ocasiões, exigindo do legislador sua regulamentação posterior; exemplo disso é o que se verifica a partir da inclusão do art. 1.358-C no Código Civil, para dispor sobre o regime jurídico de multipropriedade e seu registro[2].

Contudo, a questão relativa à locação de curta temporada em condomínios edilícios ainda carece de regulamentação, e a ausência desse norte acaba por repercutir negativamente na função social e econômica dessa espécie contratual, marcada pela atipicidade.

Além disso, a carência de uma norma específica também afeta negativamente o sistema de formação de precedentes, havendo clara divergência entre o posicionamento dos tribunais, em discordância, inclusive, com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Enquanto o STJ tem se posicionado de forma mais restritiva acerca do direito do proprietário de dispor de seu bem para a locação de curta duração nesse “modelo de hospedagem atípico”[3] criado pelo Airbnb, outros tribunais entendem que o uso da propriedade para essa finalidade corrobora a ideia de liberdade econômica, devendo ser permitido.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, entende de maneira completamente oposta ao que vem sendo decidido pelo STJ, permitindo a locação de curta e curtíssima duração, pois consagra o uso da propriedade ao mesmo tempo em que não altera a natureza do condomínio[4].

Em resumo, as discussões nos âmbitos dos tribunais têm gerado três entendimentos diversos: i) impossibilidade de proibição pelo condomínio, sendo nula qualquer deliberação a respeito; ii) na falta de deliberação proibindo a prática, o condômino pode celebrar contrato de hospedagem atípica; e iii) apenas com uma regra específica, autorizando a locação, poderá ser contratada a hospedagem atípica.

Por seu turno, a comissão de juristas instituída a partir do Ato n.º 11/2023 entendeu que, para os condomínios residenciais, a melhor norma seria a prevista no item “iii” – acompanhando o que até então tem sido decidido pelo STJ – de modo que se exige a previsão expressa para permitir a hospedagem atípica, tal como se infere da redação do artigo 1.336, §1º do anteprojeto:

Art. 1.336. São deveres do condômino:
§ 1º Nos condomínios residenciais, o condômino ou aqueles que usam sua unidade, salvo autorização expressa na convenção ou por deliberação assemblear, não poderão utilizá-la para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta.

Assim, a tendência do novo código é estabilizar algumas matérias que, diante de sua atipicidade e ausência de previsão expressa, causam insegurança jurídica aos jurisdicionados, ainda que, para isso, sejam sacrificadas questões de caráter econômico.

De toda sorte, é certo dizer que não há cenário pior do que o da omissão normativa, de modo que a tendência das atualizações legislativas é diminuir a insegurança jurídica e a falta de previsibilidade das decisões.

 

Heitor Fabiano de Oliveira Souza
OAB/SC –– 70.677

—————————————
[1] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, pp.278-288.

[2] Art. 1.358-C.  Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada. (Incluído pela Lei nº 13.777, de 2018) (Vigência).

[3] REsp 1819075/RS, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, j. 20.04.2021, DJe 27.05.2021

[4] TJSC, Apelação n. 0307628-16.2017.8.24.0005, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 23-05-2024

No Comments

Post A Comment