A era dos processos estruturais?

A era dos processos estruturais?

O século passado foi conhecido como a era dos direitos[1], pois reconhecidos direitos fundamentais aos indivíduos de primeira, segunda e terceira geração (dimensão[2]). Certamente, existiam antes disso[3], porém o reconhecimento formal em diversos textos fundantes foi decisivo para o batismo do século passado como era dos direitos.

 

Lado outro, os processos lidando com questões estruturais, enquanto realidade, são identificados há muito. Em obra pioneira e seminal sobre o tema[4], aponta-se para sua existência na experiência americana já no processo de dessegregação racial, atualmente catalogando sua ocorrência em pelo menos 20 países, assim como nas Cortes Interamericana e Europeia de Direitos Humanos[5] .

 

Ainda assim, vivem à margem do sistema formal; não existe propriamente regramento normativo a lhe dar suporte. São processados na perspectiva das ações coletivas, do controle concentrado de constitucionalidade ou enfrentados a partir de uma litigância individual repetitiva, com todos os prejuízos decorrentes da falta de sua sistematização.

 

A situação tende a mudar e, por isso, merece atenção de todos.

 

Foi instalada pelo Senado Federal Comissão de Juristas para apresentação de anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil (Ato do Presidente n.º 3 do Presidente do Senado Federal), presidida pelo Subprocurador-Geral da República Augusto Aras, relatada pelo Desembargador Federal Edilson Vitorelli (TRF 6ª Região)[6].

 

A Comissão tem como objetivo então — presente a patologia dos litígios estruturais —, apresentar projeto normativo que ofereça repertório suficiente e adequado ao seu tratamento.

 

Litígios estruturais caracterizados pela presença de problemas complexos[7], desenvolvendo-se, como amplamente disseminado, à moda de teias de aranhas[8].

 

Presentes essas características, propugna-se um modelo procedimental apto a dar conta de tais particularidades, na medida em que indispensáveis à adequada tutela dos direitos envolvidos em tais litígios estruturais.

 

É necessário um adequado ecossistema processual para os processos estruturais.

 

A par disso, propugna-se na ambiência doutrinária e jurisprudencial modelo procedimental com pontos de referência (benchmark), que refletem as características e os desafios impostos pelos litígios estruturais, razão por que mais apropriadas ao seu enfrentamento. Isto é, a partir da identificação do problema, pensa-se o método para sua solução.

 

Assim, apresentam-se como soluções a plasticidade procedimental (flexibilização[9]), o ambiente dialógico (multipolaridade e ampliação dos participantes processuais), a preponderância por soluções negociadas (compartilhadas), a fragmentação decisória (decisões em cascata ou módulos decisórios) e a atipicidade executiva. Processo que se adapte às peculiaridades da discussão, poroso à participação plural, aberto às soluções consensuais, no qual possível a fragmentação decisória com a análise do litígio por camadas (método de descascar cebolas), com a implementação das medidas executivas de forma faseada[10]. Tudo isso empregado de forma sinérgica e harmonizada (framework), em estratégia coordenada e orientada pela finalidade (teleologia) do processo estrutural.

 

Portanto, é nesse mosaico formado pelas características dos processos estruturais e pelos possíveis métodos para seu enfrentamento a pauta dos trabalhos na formatação do futuro Projeto de Lei versando sobre o processo estrutural.

 

Claro, sobre tais questões existe debate, tanto relativamente aos elementos típicos à sua identificação (caracterização dos processos estruturais), quanto do modelo processual adequado para seu processamento, como dos instrumentos eficazes à sua resolução.

 

Aliás, há quem discuta a própria necessidade de um regramento do processo estrutural, principalmente na perspectiva de que, sob tal predicado, tem-se na prática cometido excessos, com uma indevida judicialização de políticas públicas constitucionalmente atribuídas aos demais poderes. Certamente, a figura do juiz-prefeito ou do juiz-vereador não são desejáveis, tampouco placitados por nosso concerto entre os poderes.

 

A crítica é válida como advertência; porém, pensamos não ser a meta na estruturação do processo estrutural placitar tal realidade, mas sim corrigi-la. Em nossa perspectiva, imaginar o processo estrutural a partir de uma lógica de incremento dos poderes do juiz (que já são muitos e mais que suficientes no ordenamento atual), é um contrassenso[11]. Perceba-se, o processo estrutural nasce exatamente da compreensão de que, por si só, decisões judiciais não resolvem problemas complexos; dependem muito mais da atuação e da vontade constitucional de diversos órgãos públicos e instituições.

 

Assim, um adequado modelo de processo estrutural (ecossistema processual) pode sim oferecer ambiente formalizado no qual os poderes constituídos realizam novos concertos, conjugando suas atividades e somando seus predicados positivos (qualidades), para o enfrentamento dos deveres constitucionais que lhe foram impostos, em contexto procedimental de simetria dialógica, na qual o juiz deixa de atuar aprioristicamente como impositor de decisões solipsistas: essas sim por vezes dissociadas das realidades que cortam.

 

Processo no qual os partícipes não estejam prioritariamente onerados com a possibilidade de serem condenados à realização de atividades impossíveis ou não alcançáveis no tempo conferido, mas sim coautores de soluções a impasses constitucionais e na solução de dificuldades empíricas que se apresentam. A alteração dessa perspectiva no contexto do processo certamente resvala em atuações processuais diversas, talvez proativas: da simplesmente reativa para a participativa. A diversidade nas induções produzidas pelo sistema processual pode produzir resultados diferentes.

 

A meta é alta, talvez inalcançável, mas certamente desejável.

 

Mesmo porque, a alternativa que se apresenta não satisfaz. Não regular o processo estrutural é cerrar os olhos para a realidade (tapar o sol com a peneira no expressivo dito popular). A ausência de regramento do processo estrutural não fará com que nossos problemas estruturais desapareçam, desditosamente.

 

Nosso sistema carcerário continuará sendo um estado de coisa inconstitucional; persistirão condições desumanas envolvendo moradores de rua; ainda será necessário enfrentar o tema do acolhimento institucional dos menores por tempo superior ao previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente[12].

 

É exatamente a partir desses catálogos de problema que os indivíduos, cujos direitos são maciçamente violados, desaguarão suas pretensões no Poder Judiciário, que os enfrentará com os instrumentos disponíveis (acesso à justiça), os quais, em nossa visão, têm sido insuficientes ao seu enfrentamento. Exemplo disso são vários: decisões judiciais que tentam inutilmente, com a devida vênia, resolver tais questões mediante imposições a administradores de soluções particulares, não passíveis de universalização, devolvendo o problema para o futuro com maior complexidade (derivada da própria influência da decisão no contexto do problema já complexo, com suas interações mútuas e recíprocas).

 

Assim, independentemente da sorte do futuro do Projeto de Lei sobre o processo estrutural, o fato é que os processos estruturais estão presentes em nossa realidade judicial, existindo maturação doutrinária e jurisprudencial sobre sua existência e seus contornos mínimos, bem como quanto à necessidade do enfrentamento das questões que apresenta.

 

Logo, vivemos a era dos processos estruturais.

 

[1] A conceção sobre as gerações dos direitos é imputada a Karel Vasak em virtude de sua aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem em Estrasburgo no ano de 1979. As gerações teriam por base os lemas da bandeira francesa, notadamente a liberdade, a igualdade e a fraternidade. (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008. p. 40). Ainda, BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 7. Tiragem. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. De forma ampla, são reconhecidas três gerações de direitos: os Direitos Fundamentais de Primeira Geração constituídos pelos direitos civis e políticos (direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, liberdade de expressão, de reunião, de associação, de pensamento, de religião e os direitos políticos); os Direitos Fundamentais de Segunda Geração consistentes nos direitos econômicos, sociais e culturais (direito ao trabalho, à saúde, à educação, à moradia, à cultura e à segurança social); os Direitos Fundamentais de Terceira Geração integrados pelos direitos de solidariedade ou direitos difusos (direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente equilibrado, à paz, à comunicação e à autodeterminação dos povos). A despeito dessas três gerações reconhecidas amplamente, discute-se sobre a existência de direitos de quarta e quinta gerações. Os Direitos Fundamentais de Quarta Geração como os Direitos à Democracia, à Informação e ao Pluralismo (o direito à informação, ao pluralismo e a bioética). Finalmente, os Direitos de Quinta Geração estão relacionados à Paz e ao Desenvolvimento (direitos concernentes à preservação do meio ambiente, à paz, à coexistência pacífica e à sustentabilidade).

[2] Essa divisão conceitual comporta discussões, já que redutora da complexidade, desconsidera a interdependência entre os direitos, impropriamente delimita em fases estanques e sucessivas o surgimento de tais direitos e não dá conta do dinamismo dos direitos fundamentais, que se adaptam aos novos tempos e exigências sociais: “Num primeiro momento, é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo ‘gerações’, já que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de ‘complementaridade’ e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina” (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: RT, 2012. p. 258).

[3] A preocupação com os direitos fundamentais pode ser extraída já no Código de Hamurabi (aproximadamente em 1.772 a.C), no que expressava preocupações com a justiça. A ideia subjacente à existência de direitos fundamentais é pressuposta nas concepções sobre a existência de direitos superiores, inatos, às vezes de ordem divina. Em Antígona, de Sófocles, o Decreto do Rei Creonte, ao negar o direito ao luto e à memória (sepultamento de Polinices), é desafiado sob o argumento de que as leis dos deuses estão acima das leis dos homens (SÓFOCLES. Antígona. 4.ed. Tradução de Millôr Fernandes. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 8).

[4] JOBIM, Marco Félix. Medidas estruturantes na jurisdição constitucional: da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. 3. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2022.

[5] JOBIM, Marco Félix. Cortes e o tratamento mundial dos conflitos: Structural Injunctions; Structural Interdicts; Public Interest :Litigation (PIL); Writ of Continuing Mandamus; Social Action Litigation (SAL); Estado de Cosas Inconstitucional nos Tribunais. 3. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2024.

[6] São os juristas nomeados no Ato do Presidente Rodrigo Pacheco do Senado Federal nº 3, de 2014, e demais atos, que Institui Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Lei do Processo Estrutural no Brasil: I – Subprocurador-Geral da República  Augusto Aras, Presidente; II – Ministro  Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – STJ, Vice-Presidente; III – Ministro  Luiz Alberto Gurgel de Faria – STJ; IV – Ministro  Alberto Bastos Balazeiro – TST; V – Desembargador Federal  Edilson Vitorelli – TRF6, Relator; VI – Desembargador Federal Aluísio Mendes – TRF2; VII – Desembargadora Lilian Maciel – TJMG;  VIII – Procurador Regional da República e professor  Sérgio Cruz Arenhart; IX – Promotora de Justiça Suzana Henriques da Costa, indicada pelo Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais; X – Secretária-Geral Adjunta de Contencioso da Advocacia-Geral da União, Andrea de Quadros Dantas; XI – Defensor Público Federal  Sérgio Armanelli Gisbson; XII – Dr. Antônio Nabor Areias Bulhões, advogado indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil; XIII – Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil; XIV – Professor Benedito Cerezzo Pereira Filho – UnB; XV – Professor Antonio Gidi – Syracuse University New York; XVI – Professor José Bernardo de Assis Júnior – PUCMG; XVII – Professora  Juliana Cordeiro de Faria – Universidade Federal de Minas Gerais; XVIII – Professor  Márcio Carvalho Faria – Universidade Federal de Juiz de Fora; XIX – Professor  Roberto P. Campos Gouveia Filho – Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); (Redação dada pelo Ato da Presidência nº 9/2024). XX – Desembargador Federal Newton Pereira Ramos Neto – TRF1; (Incluído pelo Ato da Presidência nº 10/2024). XXI – Professor Ademar Borges de Sousa Filho; e (Incluído pelo Ato da Presidência nº 10/2024). XXII – Professor Matheus Casimiro Gomes Serafim. (Incluído pelo Ato da Presidência nº 10/2024).

[7] “O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações. retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza… Por isso o conhecimento necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem. afastar o incerto, isto é. selecionar os elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar. distinguir, hierarquizar… Mas tais operações, necessárias à inteligibilidade, correm o risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus: e efetivamente, como eu o indiquei, elas nos deixaram cegos” (MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005. 13/14).

[8] “We may visualize this kind of situation by thinking of a spider web. A pull on one strand will distribute tensions after a complicated pattern throughout tthe web as a whole. Doubling the original pull will, in all likelihood, not simply double each of the resulting tensions but will rather create a different complicated pattern of tensions. This would certainly occur, for example, if the doubled pull caused one or more of the weaker strands to snap. This is a “polycentric” situation because it is “many centered” – each crossing of strands is a distinct enter of distributing tensions. Suppose, again, it were decided to assign players on a football team to their positions by a process of adjudication. I assume that we would agree that this is also an unwise application of adjudication. It is not merely a matter of eleven different men being possibly affected; each shift of any one player might have a different set of repercussions on the remaining players: putting Jones in as quarterback would have one set of carryover effects, putting him in as left end, another. Here, again, we are dealing with a situation of interacting points of influence and therefore with a polycentric problem beyond the proper limits of adjudication” (FULLER, Lon. The forms and limits of adjudication. Harvard Law Review, v. 92, n. 2, 1978, p. 395). (“Podemos visualizar esse tipo de situação pensando em uma teia de aranha. Um puxão em um fio distribuirá as tensões de acordo com um padrão complexo em toda a teia. Dobrar a tração original, com toda a probabilidade, não dobrará simplesmente cada uma das tensões resultantes, mas criará um padrão complicado diferente de tensões. Isso certamente ocorreria, por exemplo, se a tração dobrada fizesse com que um ou mais dos fios mais fracos se rompessem. Essa é uma situação “policêntrica” porque é “centrada em muitos” – cada cruzamento de fios é uma forma distinta de distribuir as tensões. Suponhamos, novamente, que fosse decidido designar os jogadores de um time de futebol [americano] para suas posições por meio de um processo de adjudicação. Presumo que concordaríamos que essa também é uma aplicação insensata da adjudicação. Não se trata apenas de onze homens diferentes que podem ser afetados; cada mudança de um jogador pode ter um conjunto diferente de repercussões sobre os demais jogadores: colocar Jones como quarterback teria um conjunto de efeitos de transferência, colocá-lo como left end, outro. Aqui, novamente, estamos lidando com uma situação de interação de pontos de influência e, portanto, com um problema policêntrico além dos limites adequados de julgamento”) (tradução nossa). São características apresentadas por determinadas questões que impedem seu tratamento isolado (emergências), pelo que se apresentam como questões estruturais: “[…] quando a tonicidade dessas emergências exibe o acento agudo, impedindo sua análise simplesmente particularizada que desconsidere o contexto nos quais se inserem, temos um problema complexo que merece ser abordado considerando o particular (indivíduo), mas também a situação de forma holística” (DUARTE, Zulmar. Endocentricidade processual: a gramática do processo estrutural. Londrina: Thoth, 2024. p. 105/106). Com matriz diversa, mas também trabalhando o tema da complexidade em conexão com a emergência: “Em segundo lugar, a chamada “emergência”, vale dizer, a percepção de que o sistema gera comportamentos macroscópicos que não poderiam ser previstos a partir do exame dos elementos componentes do sistema ou de suas interconexões ou inter-relações em um nível microscópico. De certo modo, isso implica dizer que o todo acaba sendo sempre maior que as suas partes” dado que a complexidade do sistema visto de seu exterior não se reduz à análise de seus elementos, tal como vistos internamente” (ARENHART, Sérgio Cruz; OSNA, Gustavo; JOBIM, Marco Félix. Curso de processo estrutural. São Paulo: RT, 2021. p. 62). Vitorelli aprioristicamente identifica como elemento central do litígio estrutural a existência de litígio coletivo irradiado, derivado da disfunção de uma estrutura pública, apresentando o perfil policêntrico (vários centros de interesses juridicamente protegidos). Não deixa entretanto de assinalar a complexidade como sendo inerente a tal situação: “A complexidade do problema e o modo como suas frações interagem é que exigem que a dinâmica social em que ele ocorre seja alterada. Se não for, o problema não será resolvido, ou será apenas aparentemente resolvido, sem resultados concretos, ou será momentaneamente resolvido e surgirá novamente no futuro, colocando a perder todo o esforço despendido” (VITORELLI, Edilson. Processo civil estrutural: teoria e prática. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 57). Aliás, quando vamos ao conceito de litígios coletivos irradiados impossível excluir a apreensão de sua complexidade: “2.6.5 Litígios transindividuais de difusão irradiada A última categoria de direitos transindividuais que se pretende formular é a que se relaciona ao que Rodolfo de Camargo Mancuso denominou megaconflitos. Trata-se daquelas situações em que o litígio decorrente da lesão afeta diretamente os interesses de diversas pessoas ou segmentos sociais, mas essas pessoas não compõem uma comunidade, não têm a mesma perspectiva social e não serão atingidas, da mesma forma e com a mesma intensidade, pelo resultado do litígio. Isso faz com que suas visões acerca da solução desejável sejam divergentes e, não raramente, antagônicas. Esses eventos dão ensejo a litígios mutáveis e multipolares, opondo o grupo titular do direito não apenas ao réu, mas a si próprio. […] Essas são situações de alta conflituosidade e complexidade, nas quais há múltiplos resultados possíveis para o litígio e a sociedade titular dos direitos em questão, que é a sociedade impactada pela lesão, tem interesses marcadamente variados e, eventualmente, antagônicos quanto a seu resultado” (VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 85 e 88).  Em sentido diverso, entendo que a complexidade é uma característica típica, mas não essencial do processo estrutural, veja-se: DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Disponível: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/1606558/Fredie_Didier_jr_%26_Hermes_Zaneti_Jr_%26_Rafael_Alexandria_de_Oliveira.pdf Acesso em: 1º set. 2024. Ainda assim, esses autores, ao apresentarem as características típicas dos processos estruturais, listam entre elas a discussão de um problema estrutural. E, na caracterização desses problemas estruturais, verificam-se exatamente os caracteres que permitem indicar a existência do litígio estrutural. Ao que parece, os eminentes autores pautaram sua definição de complexidade a partir da diversidade decisória (várias soluções passíveis de serem conferidas), pelo que não consideraram tal requisito como essencial. Todavia, a complexidade está caracterizada não essencialmente pelo fato das decisões se darem em um ou vários sentidos, mas sim na necessidade de a questão ser abordada a partir dos indivíduos isoladamente considerados, enquanto conjugados entre si e também no todo que formam. Isso pode levar a decisões particulares, mas a decisões unívocas (potencialmente, posto que não seja comum). Não é o resultado da abordagem que determina ser o litígio complexo, mas sim o tipo de análise realizada para sua resolução, dos seus elementos, sua multiplicidade e totalidade.

[9] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007.

[10] DUARTE, op. cit., p. 167.

[11] O Relator Desembargador Federal Edilson Vitorelli em sua apresentação sobre o futuro Projeto de Lei deixou claro como algumas de suas diretrizes: “3. Diálogo e formação de Consensos […] Processo estrutural como construção compartilhada de soluções para litígios complexos […] Estímulo a métodos consensuais e extrajudiciais de solução de conflitos […] 6. Fase decisória […] Decisões minimalistas, que deixem espaço para o consenso […] 7. Fase de implementação […] Estímulo ao consenso nas medidas de implementação, ainda que ausente na fase de decisão […]” Disponível: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/804d250d-90ff-4a4a-a354-6c45b9968c9d Acesso: 1º set. 2024.

[12] Apenas para referenciar alguns casos já submetidos ao Supremo Tribunal Federal (ADPF’s n.os 347 e 976) e ao Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 1854842).

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