02 dez ANTEPROJETO DO CÓDIGO CIVIL: INOVAÇÕES QUANTO AS PERSPECTIVAS DE GOVERNANÇA NO 3º SETOR
Denomina-se terceiro setor as instituições não governamentais, portanto, de atividade privada, que não possui ânimo de lucro, atuando de forma independente do Estado ou de Entidades Privadas, embora possa firmar parceria com essas em prol de seus objetivos[1].
Embora o termo não possua aderência legislativa, representando uma denominação doutrinária acerca desse grupo, o 3º Setor representa pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, responsáveis por atender tema de relevante interesse social, geralmente constituídas em associações, fundações ou organizações religiosas[2], tal como disposto nos artigos 40 e seguintes do Código Civil.
Para DIOGO DE FIGUEIRA NETO, referidas instituições caracterizam uma delegação do bem-estar-social, exercido pela Administração prestadora de serviços públicos, para um Estado Pós-Social, abrindo espaço para a participação democrática nas ações governamentais[3].
E, uma vez que o anteprojeto do Código Civil visa corrigir falhas redacionais e implementar um código civil constitucional[4] – semelhante ao que ocorreu com o CPC/15 – dispondo de sugestões relevantes e que impactam diretamente na governança do 3º setor.
Uma dessas sugestões, que embora pareça simples, diz respeito a readequação da redação dada ao artigo 53 do CC/, para qualificar como associação de pessoas que se organizam para “fins não lucrativos” ao invés de “finalidade não econômica”, adequando-se à definição contida no artigo 14 da Código Tributário Nacional.
Paralelamente, o novo código também visa atribuir alterações no que diz respeito a remuneração e duração dos dirigentes, atribuindo à essa um caráter salarial, como forma de contraprestação aos serviços prestados enquanto no encargo das atividades.
Entrementes, a principal alteração está associada a uma ideia de equidade na relação entre os associados, estipulando a fixação de prazos em estatuto para os mandatos dos dirigentes, incluindo seu termo inicial e final, conferindo nova redação ao art. 54, inciso V.
Além disso, o critério de eleição desses dirigentes também passará por alterações, passando a conferir a todos os associados direito de voto. Trata-se de uma verdadeira alteração no artigo 59, que até então previa o voto como matéria privativa da assembleia geral.
Confira-se a comparação entre os dispositivos:
CC/2002:
Art. 59. Compete privativamente à assembleia geral: I – Destituir os administradores; II – Alterar o estatuto. |
Anteprojeto:
Art.59. § 1º Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo, os votos de todos os associados terão o mesmo peso. § 2º Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo, é exigida deliberação da assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo quórum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.” |
Fora isso, a proposta também traz alterações expressas para as “fundações”, conferindo ao Ministério Público aparente restrição de autonomia, uma vez que limita sua atuação para espectros específicos, tais como:
- A definição, a escolha de instalação, de sede ou filiais;
- As opções de alocação de recursos nas estratégias para cumprimento das finalidades institucionais; e
- Atos jurídicos destinados ao cumprimento e relacionados à execução das opções de que tratam os incisos I e II, como contratos com prestadores de serviço, locação de imóveis, alienação de bens móveis ou imóveis e outros;
- As questões relativas a judicialização de questões, como a propositura de ações, a realização de acordos em juízo, os temas que se encontrem em análise pelo judiciário, entre outros.
Na redação original, o rol de matérias que permitiam a intervenção ministerial era mais amplo, pois sequer havia delimitação, o que garantia menor autonomia ao órgão. Pela nova redação, a autonomia das fundações pode ser total, haja vista que até mesmo o velamento do MP poderá ser dispensado caso o instituidor da fundação assim entende prudente.
Assim sendo, a partir da redação do projeto do novo Código Civil, percebe-se que será conferido maior grau de autonomia as entidades do 3º setor, ao mesmo tempo em que garantirá maior espírito de equidade aos seus associados, de modo a facilitar a busca pelos interesses sociais dessas instituições.
Heitor Fabiano de Oliveira Souza
OAB/SC –– 70.677
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[1] OLIVEIRA, Gustavo Justino de. O direito do terceiro setor. Revista de direito do terceiro setor, nº 1, pp. 11-38
[2] BRASIL. Mapa das organizações da sociedade civil. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
[3] NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial, p. 784.
[4] BRASIL. Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2024. Disponível em https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-comissao-de-juristas-2023_2024.pdf.
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