Efetividade da execução e medidas atípicas (apreensão de passaporte, CNH, etc.)

O processo de execução é a parte visível, sensível na vida das pessoas, das atividades do Poder Judiciário. É nele que o poder judiciário transforma a realidade, para fazer com que a realidade reflita o estabelecido pelo direito. Isto é, assegura que a parte tenha o bem da vida que lhe corresponde por direito. Logo, quando a execução não alcança seu objetivo (execução infrutífera ou frustrada), não recebendo a parte o bem, a coisa, a quantia devida, a própria confiança e credibilidade no sistema de justiça é afetada, com alto custo social que pode estimular o descumprimento do direito positivo, em especial da decisão judicial.

Lado outro, o resultado processo depende muitas vezes da realidade de que dispõe (existência de patrimônio do devedor), do que propriamente da qualidade de instrumentos disponíveis à imposição da observância do direito. Assim, contingências podem afetar o processo de execução, frustrando definitivamente sua realização.

Porém, existem situações em que os fins da execução não se realizam (com a penhora de bens, a venda judicial, pagamento etc.), não pela ausência de patrimônio do devedor, mas sim pela utilização de mecanismos heterodoxos que impedem a identificação de patrimônio. O devedor, nesses casos, ostenta sinais exteriores de riqueza fora do processo, enquanto no processo se apresenta uma penúria patrimonial. A realidade franciscana de sua renda declarada contrasta com uma vida nababesca nas redes sociais.

Tal contexto justificou a inserção no atual Código de Processo Civil do inciso IV do artigo 139, que concede ao juiz poderes mais amplos na efetivação das decisões judiciais, dispositivo recentemente declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI nº. 5.941/DF, relator Ministro Luiz Fux, julgamento finalizado em 9.2.2023.

A decisão do Supremo Tribunal Federal autoriza o uso de medidas executivas atípicas (não previstas no ordenamento processual especificamente) visando assegurar o cumprimento da ordem judicial. Por exemplo, a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte, a suspensão do direito de dirigir, a proibição de participação em concurso e licitação pública ou, ainda, outras medidas idôneas que visem compelir ao cumprimento da decisão judicial.

Claro, essas medidas sempre deverão ser analisadas no horizonte retratado em cada processo, mediante a apresentação de justificativas do seu emprego e com respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos. Sua aplicação é sempre excepcional, a par da excepcionalidade da situação casuística apresentada no processo: devedor que escamoteia seus ativos (devedor assim considerado de má-fé). 

Portanto, as medidas objetivam dobrar sua vontade, para que cumpra a decisão judicial, pois, no contexto do processo, verificada tal possibilidade, mas ele prefere apostar contra a efetividade da execução. Observe-se, a natureza ancilar da medida é evidente, porquanto cumprida a decisão judicial a medida cessa automaticamente: “to have the keys to the jail in his pocket”.

De toda forma, como dito, a aplicação de tais medidas deve respeito aos direitos fundamentais, observando-se a proporcionalidade e razoabilidade no seu emprego. Por hipótese, não parece possível a apreensão da CNH daqueles que tenham a sua subsistência atrelada à atividade de dirigir.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça também tem validado a aplicação de tais medidas quando se verifica que o devedor apresenta indícios sobre a ocultação de patrimônio ((HC n. 711.194/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022). 

À sua vez, o Tribunal Superior do Trabalho segue a mesma linha, quando os devedores apresentam condições favoráveis ao adimplemento da dívida, diante da existência de sinais exteriores de riqueza, não sem ponderar criticamente a natureza excepcional e subsidiária das medidas atípicas (PROCESSO No TST-ROT-1087-82.2021.5.09.0000, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, julgado em 28 de fevereiro de 2023).

Nessa perspectiva, as medidas executivas atípicas passam a ser uma realidade cada vez mais presente no âmbito da efetivação das decisões judiciais, assegurando efetividade à execução, principalmente porque validadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais Superiores. Por óbvio, isso não exclui a necessidade de calibração no caso concreto, considerando os direitos fundamentais envolvidos: “With great power comes great responsibility”.

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